Almas Gêmeas - Por Tia Neiva 31.01.1982
Não sabemos como ou quando os espíritos foram criados. A idéia mais aproximada é que os espíritos são partículas divinas, partes de Deus individualizadas, isto é, com características próprias e livre arbítrio relativo à trajetória terrena. Sabemos, também, que na caminhada planetária, os espíritos seguem uma Lei Universal que os caracteriza como homens ou
mulheres. Mas não sabemos quando isso começou. Supõe-se que, em eras remotas, neste planeta não existia senão um só tipo de ser humano, que reuniria em si as características de ambos os sexos – os andróginos. Mais tarde, segundo a mitologia grega (a humanização dos deuses do Olimpo) e hebraica (Adão, que era “um”, adormece e Deus tira uma parte dele – uma costela – e cria Eva), teria ocorrido a separação em duas partes complementares, em obediência à Lei da Terra, onde tudo é duplo, bipolar, positivo e negativo, branco e preto, e teríamos, assim, um espírito dividido em dois, formando o espírito de um Homem e o de uma Mulher, cada um deles com seu livre arbítrio, às vezes seguindo caminhos diferentes, mas guardando a afinidade, a ligação de sua origem. Ambos percorreriam, através dos milênios, a descida involutiva e a subida evolutiva. Nem sempre estariam juntos ou se encontrariam, ligando-se, muitas vezes, através das várias encarnações, a outros espíritos; formariam carmas, amariam outros e, nos encontros eventuais, poderiam estar em posições evolutivas ou planos diferentes. Esse Homem e essa Mulher, originários de um mesmo espírito, é o que denominamos Almas Gêmeas! Através de suas faixas cármicas, na longa jornada evolutiva, em qualquer situação em que não estiverem juntos, haverá sempre uma imensa saudade que se reflete em cada um dos dois, tornando suas existências incompletas. Podem amar, ter tudo no plano material, mas fica uma sensação de insatisfação, de não estar completa a felicidade, que só se realiza quando as duas almas gêmeas de reencontram. E esse reencontro também só se realiza quando ambas estão livres de seus compromissos cármicos, como veremos mais adiante, na história que Tia Neiva nos contou. Não temos como penetrar a Mente Divina e perscrutar os misteriosos desígnios do Criador, mas o mecanismo das almas gêmeas é poderoso incentivo ao retorno às origens, ao seio do que é completo, a garantia de que, um dia, os espíritos voltarão à Divindade. E é muito linda a jornada das almas gêmeas. Como progridem em missões separadas, na maioria dos casos uma se dedica ao auxílio da outra. Vivem no amor completo e incondicional. Quantas chegam ao último degrau de sua evolução na Terra mas, como sua outra metade ainda está a caminho, pedem a graça de poder voltar e ajudar sua alma gêmea. E é um grande sacrifício este, pois este planeta é excessivamente pesado em suas faixas vibratórias e um espírito sofre muito em uma reencarnação dessas. Mas parte feliz, com esperança, com dedicação, porque é uma missão de amor. Para se ter um exemplo do encontro das almas gêmeas e de seus compromissos, vamos ver a história de um velho Jaguar e Rosa Maria, que a Tia nos contou em uma aula dominical, no dia 31 de janeiro de 1982.
Meus filhos, Salve Deus!
Certa vez fui abordada por um espírito calmo, tranqüilo, muito bacana mesmo, desses que você pode ler em sua mente, ver em seu rosto toda a dignidade, as coisas boas que porta o Homem sem frustração, honesto, sem essa maneira de querer enganar alguém. Tive a certeza de que era um daqueles espíritos que, conforme a época em que estou passando, Amanto, Humahan ou mesmo Pai Seta Branca me envia para transmitir uma história, uma mensagem. Aquele espírito foi chegando e começou a falar tranquilamente sobre sua vida:
- Tia Neiva! Eu sou aquele do sonho... Aquele sonho...
Lembrei-me de que já o encontrara antes e me contara muita coisa. Perguntei:
- Graças a Deus! Tem mais alguma coisa boa para dar continuidade?
- Sim, Tia, tenho. Tenho o princípio da história da minha vida, que vou lhe contar. Eu era um homem perverso, um verdadeiro tirano. Sou um Jaguar! Vivi nas planícies e estive por todas as partes da Terra! Só aprendi tirania, violência... Não conhecia o amor. Um dia, reencarnei no Brasil Império, como senhor de engenho.
Sorri, lembrando-me de vocês, meus filhos. Esses seus rostos, cada um revelando um Jaguar, senhor de escravos, senhor de engenho...
- Fui senhor de escravos – continuou – mas era muito direito em meus negócios e procurava aplicar a Justiça a meu modo. Fui muito querido pelo Imperador, chegando mesmo a merecer a plena confiança dele. Constantemente estava no palácio – e, então, citou diversos nomes de políticos, senadores, homens importantes daquela época com os quais tinha estreitos laços de amizade – Eu era um homem tão temido que, quando chegava em minha fazenda, Tia, uma das melhores da região, com uma bela mansão, os escravos ficavam temerosos de mim. Faziam tudo com medo de mim, da punição que era certa se não agissem conforme minha vontade. Minha família era a mais bonita que havia. Minha esposa era linda e meus dois filhos, um casal, eram verdadeiros príncipes. Enfim, Tia, parecia que eu não tinha mais nada para desejar na vida! Bastava que eu falasse uma coisa e todos corriam para me atender. Eu fui esse homem, Tia Neiva!... Tinha tudo mas a verdade é que não sentia amor por nada!
- Esse é o grande mal – comentei – Quando não temos amor no coração, filho, a vida se torna seca, difícil...
- É, Tia, eu era honesto com minha família, com minha mulher, com meus negócios. Mas sentia, no íntimo, que alguma coisa me faltava. Um dia... – ele parou de falar e em seu olhar havia um brilho diferente quando continuou, com meiguice – Tia, a senhora vive falando sobre as almas gêmeas. Pois, um dia esbarrei com minha alma gêmea. Interessante, Tia, que eu nunca notara a presença daquela escrava. Era uma jovem bem clara e, naquele dia, quando eu me dirigia ao portão da casa, ela vinha com uma cesta de verduras e não me viu. Deu um encontrão em mim e as verduras se espalharam pelo chão. Ela ficou em pânico. Abaixou-se para catar as verduras, chorando e me implorando que não a castigasse. Queria até mesmo beijar meus pés, na sua aflição e humildade. Fiquei reparando nela e alguma coisa despertou em meu íntimo. Senti que ela era diferente, senti meu coração se encher de alegria com a presença dela. Então, peguei sua mão e a ergui, eu mesmo me abaixando e catando as verduras para recolocá-las na cesta. Ela, paralisada pelo medo, me olhava com lindos olhos marejados de lágrimas, balbuciava desculpas e pedia que eu não a castigasse. Acabei de encher a cesta e me levantei, encarando aquela linda moça. Trocamos um longo olhar e acho que consegui transmitir a ela o que eu sentia de tal forma que ela pareceu se tranquilizar, acabando por dar um tímido sorriso. Eu é que me desculpei por minha falta de atenção e fiquei parado, vendo aquela figurinha tão querida sumir entre as plantas do jardim, levando sua cesta...
Desse momento em diante, meus filhos, aquele Jaguar se transformou. Aquele encontro com sua alma gêmea – de que ambos não tinham consciência por estarem encarnados – despertou no coração dele o amor. E o amor transforma as pessoas. Enquanto caminhava para casa, ia pensando no que havia ocorrido. Sentiu profundo desprezo pela fama que tinha ao lembrar a aflição de sua querida, o medo de ser castigada por algo tão banal. Aquela maneira humilde de pedir desculpas... Aquele olhar... Sim! Decidiu que, dali para frente, não mais seria aquele tirano! Em casa, à noite, não conseguia dormir. Os dias se seguiram e ele ficou isolado, sem falar com ninguém, mal comendo, com o pensamento naquela escrava adorada, cuja presença ele não havia percebido até aquele dia. Não entendia o que estava acontecendo. Como podia não ter notado aquela meiga presença? Ansiava por revê-la e, ao mesmo tempo, temia como pudesse reagir a um novo encontro. Seu comportamento preocupava a todos. Sua mulher achava mesmo que ele estava enfeitiçado, tal era a mudança que se operara nele. E, um dia, receberam a visita do Imperador!
A azáfama da recepção quebrou a rotina da fazenda, e até o Jaguar saiu um pouco de seus pensamentos para receber o ilustre amigo. E, na hora de servir o chá, quem se apresentou com a bandeja foi a bela escrava. Quando ela se deparou com o Jaguar, começou a tremer, tomada pela emoção, e desequilibrou a bandeja, que caiu, despejando tudo sobre a mesa. A sinhazinha que havia, com sua percepção, sentido a reação dos dois ao se olharem, ficou furiosa e chamou o feitor, para que retirasse imediatamente aquela escrava dali e lhe aplicasse terrível castigo. O Imperador, que era muito galante e percebera a escrava encantadora, pediu que nada fizessem com ela. Era um acidente, e pronto, já tinha passado, e não devia a moça ser castigada. Também o velho Jaguar interferiu, dizendo ao feitor que não era preciso levá-la. Essa reação mais raiva provocou na sinhazinha, tomada pelo ciúme, já deduzindo que aquela bela jovem tinha algo a ver com a modificação que se passara com o marido. Ordenou ao feitor que a levasse. Logo que o feitor saiu com ela, empurrando-a com brutalidade, o Jaguar foi atrás e mandou que ela a soltasse e que ela fosse para junto das outras escravas, na senzala.
Era a época dos Nagôs, que trabalhavam muito com espíritos e faziam trabalhos que os outros diziam que eram feitiços. Por isso, a sinhazinha achou que, finalmente, descobrira a causa de tão brusca alteração no comportamento do marido: ele fora enfeitiçado por aquela escrava! Começou a perseguir a moça e o Jaguar, percebendo tudo, procurou solucionar a questão. Arrumou um amigo de confiança e pediu que ele fizesse uma compra forjada daquela escrava, para que ela pudesse escapar da sinhazinha.
E assim foi feito. Comprada a escrava, parecia que tudo voltaria ao normal na fazenda. O próprio Jaguar insistira para que ela fosse vendida, dizendo que já não aguentava ver à sua frente aquela mulher que tanta vergonha os haviam feito passar diante do Imperador. Mas o que não sabiam é que o senhor da fazenda arranjara um sítio solitário e escondido, onde a bela escrava foi se ocultar. E, uma vez ali instalada, longe das garras da sinhazinha, aquelas duas almas gêmeas puderam construir um pequeno mundo. Passaram a se encontrar e, sempre que possível, o sinhozinho corria a ver a sua amada.
O amor das almas gêmeas é uma coisa sublime, muito lindo, pois nunca pode se erguer sobre a ruína dos outros. Para a plena realização, torna-se necessário que ambos estejam livres de outros compromissos. Mas o sinhozinho tinha a família e, então, era preciso que acontecesse um verdadeiro milagre – como eles mesmos diziam – para que ele pudesse se libertar. A esposa, os filhos ainda pequenos, representavam uma verdadeira barreira para a plena vida aquele amor.
O tempo passou. Os filhos do sinhozinho, já mais crescidos, foram estudar em Portugal. E naquele mundo de encantamento das duas almas gêmeas teve início o último reajuste pelo qual deveriam passar para se libertarem totalmente. Lembrem-se, meus filhos, de que só retornamos às origens quando nada mais nos resta a resgatar. Vejam o exemplo de Doragana, que viu aquele cobrador a urrar de ódio, e submeteu-se a um julgamento para libertá-lo daquele ódio, a fim de que pudesse, tranquilamente, voltar à origem. Havia uma conta do passado e, para resgatar essa dívida, a escrava – Rosa Maria – concebeu um filho, que seria aquele espírito reencarnado para se reajustar com ambos. Mas o fato de ficar grávida envergonhou tanto Rosa Maria perante o Jaguar que ela perdeu o encanto pela vida. Achava que aquilo era uma falta de respeito para com seu amado, gerando uma responsabilidade que ele não tinha condições de assumir. É que, encarnados, eles não se lembravam dos compromissos assumidos no espaço. Aquilo tudo havia sido tramado com eles no espaço, sob os desígnios da Lei de Deus, que lhes fornecia aquela oportunidade de resgatarem sua última dívida. Porque as almas gêmeas só se realizam quando nada mais devem, quando não têm mais qualquer obsessor e quando já atravessaram suas faixas cármicas positivas e negativas, podendo, assim, retornar juntas às origens. Porque é muito bonito, meus filhos, ver o trabalho das almas gêmeas! Uma ajudando a outra a evoluir, a se libertar... Quantas já não precisavam retornar à Terra mas, como estão mais evoluídas que a sua alma gêmea, reencarnam e sofrem para ajudar aquela a subir o degrau. Sempre com dedicação, com amor, uma beleza!
Mas, sem consciência de suas tramas no espaço, Rosa Maria sofreu coma situação, até dar à luz uma bela criança – um menino clarinho, louro, com lindos olhos azuis. O nascimento do menino modificou a sintonia do casal. Rosa Maria passou a viver mais feliz e ambos se dedicavam com grande amor àquela criança. Aquele amor ia resgatando a dívida com aquele espírito. O menino crescia e o sinhorzinho estava totalmente modificado. Pela realização do seu amor, pela sintonia com Rosa Maria, pelo tesouro que o menino representava em suas vidas, ele se transformara em um homem bondoso, amável. Tão bom que todos que o conheceram antes se admiravam. Havia mandado embora de sua fazenda o malvado feitor, aquele homem feroz que castigava e surrava os escravos, e tudo era administrado com amor.
Isso é que eu gosto de mostrar a vocês, meus filhos. O amor é uma força poderosa, bendita, que não deixa que se possa fazer mal aos outros, ferir alguém. Quando se ama, mas se ama realmente, a gente ama todo o mundo. É, filhos, o mundo inteiro a gente ama! Não sei quantos de vocês já puderam sentir isso, ter a oportunidade de viver um amor assim, um amor de respeito, um amor que a gente respeita, que a gente sente realmente estar muito acima dessas baixarias do espírito. Duas pessoas que sentem um amor verdadeiro, sabem se entender à distância, se falam no silêncio, se harmonizam a cada momento de suas vidas. Este é o amor das almas gêmeas! Muitos me falam que encontraram sua alma gêmea. Eu concordo, pois não quero causar tristeza. Mas o amor das almas gêmeas transforma as pessoas. Elas ficam boas, não pensam em fazer mal à sua família, não pensam em fazer mal aos outros, não desrespeitam a família. A primeira coisa que fazem é passar a amar também os outros, principalmente os filhos, mesmo que sejam frutos de ligações com outras pessoas. Acho lindo o amor das almas gêmeas no espaço. Têm a mesma paixão, a mesma vida como temos aqui. Muitas tiveram filhos na Terra e os buscam para, reunidos, viverem juntos em suas mansões do espaço. São tão felizes e se realizam tanto com seu amor que buscam levar a felicidade aos outros. Com essa intenção, protegidos pela vibração desse amor tão puro, penetram naqueles pântanos sombrios, arrebatando das trevas muitos espíritos que por ali se debatem.
Vejam o exemplo deste velho Jaguar. Era um tirano – e ele me mostrou muitas das barbaridades que havia cometido – e temido por todos. Um dia, um simples olhar modificou tudo. Pelo esclarecimento dos dois, tudo se transformou e ele se tornou tão bom que até mesmo no palácio do Imperador se comentava o milagre de sua modificação. A felicidade do encontro das almas gêmeas aqui na Terra reside no fato de não terem compromissos com outras pessoas. Elas se encontram, se amam verdadeiramente, mas não podem desfazer os laços cármicos, seus laços transcendentais. Apenas porque se encontram, porque se amam, não podem abandonar seus lares. E isso é o que havia acontecido com aqueles dois: tinham vindo apenas para resgatar aquela dívida, libertar aquele espírito que estava encarnado como o filho dos dois.
Mas a Lei de Causa e Efeito sempre está em vigor. E um preto velho, chamado Gregório, que muito havia sofrido naquela fazenda, a mando do sinhozinho, soube da existência daquela criança e descobriu toda a situação. Impulsionado pelo desejo de vingança, correu a contar tudo para a sinhazinha. Não poupou detalhes malvados e aumentou muito as coisas para fazer sofrer, o mais que pudesse, aqueles que o tinham castigado um dia.
Atenção, meus filhos! Temos visto muitos “gregorinhos” e “gregorinhas” por aí, sempre contando novidades – na maior parte mentiras –, espalhando o ódio e a desconfiança entre esposa e marido, desfazendo lares, gerando desequilíbrios. Isso é muito perigoso. Quantos, ao chegarem no dia de prestar contas, vão verificar que, com suas línguas, cortaram o carma de outras pessoas, e não poderão por a culpa em ninguém, senão em si próprios, no seu coração ainda em evolução...
A sinhazinha, enlouquecida pelo ódio e pelo ciúme por tudo que ouvira de Gregório, tramou em segredo a destruição de Rosa Maria e do menino. Aproveitando-se do ódio que o malvado feitor nutria por ter sido despedido pelo sinhorzinho, conseguiu induzi-lo a realizar seu plano. Um dia, quando o sinhozinho teve que ir ao palácio ver o Imperador, o feitor raptou Rosa Maria e o filho, levou-os para um local ermo e ali os executou, ocultando os corpos. Ninguém vira essa ação criminosa, de modo que, quando o sinhozinho voltou e foi correndo ao seu ninho de amor, não encontrou sua amada nem o filho, nem qualquer orientação sobre o destino daqueles dois seres tão queridos. Também, pelas redondezas, ninguém sabia informar o que teria acontecido. Desesperado, continuou buscando-os por muito tempo, sem descobrir o que houvera. Mesmo mergulhado na dor e na aflição, a bondade daquele Jaguar superou suas forças. Continuou a ser bom e caridoso e, testado por Deus, que quis saber até onde ia sua paciência, superou todo o seu desespero e completou sua missão na Terra com aquela força bendita que o amor lhe dera.
Sua jornada ainda continuou por muitos anos. Na solidão, chorava a ausência de sua amada. Muitas noites, quando mergulhava em seus pensamentos, vinha-lhe a certeza de que sua esposa tinha muito o que ver com aquele desaparecimento misterioso. Também não sentia ódio ou desejo de vingança. Lembrava-se de que Rosa Maria sempre lhe dizia que chegaria um dia em que morreriam e poderiam ficar juntos para sempre, no Céu. Mas, se ele fizesse alguma maldade, não seria possível o encontro, pois Deus não permitia que gente ruim entrasse no Céu! Ele lembrava dos olhos de Rosa Maria quando falava essas coisas. Ficavam brilhando como duas estrelas, como se tivesse certeza do que falava, como se o amor deles só pudesse atingir toda a plenitude depois que tivessem deixado esta vida. E porque a amava, tinha confiança nela, achava que o único meio de tornar a encontrá-la seria manter-se acima do mal. Mas a dor da ausência de Rosa Maria tornara-o triste e a vida era quase que mecânica. Seu coração sangrava de saudade! Tornou-se espiritualista. Continuou a acompanhar sua esposa, sem demonstrar desconfiança, mas a vida já não tinha mais prazer. Só existia, para ele, a lembrança daquele amor. Muitas coisas enfrentou até o dia de sua morte. Contou diversas passagens e me admirei com a fibra daquele Jaguar. Era uma época terrível aquela. Muitos espíritos haviam encarnado na Terra, na missão de evangelizar. Alguns mesmo vinham preparados para domar, como se fossem animais, aqueles espíritos de imperadores, centuriões, vestindo roupagens de pretos velhos escravos. Aquele Jaguar havia sido diferente. Morreu purificado pelo amor, por suas boas ações, e sua câmara mortuária foi perfumada pelos pretos velhos a quem vivia pedindo perdão pelos males causados outrora. Pouco antes de morrer, soube de toda a trama da esposa, o triste fim que tinham tido seus amados. Mandou chamar Gregório e fez com que ele visse o punhal que atravessara em seu coração. Mesmo assim, perdoou-lhe e ainda arranjou meios de ajudar ao preto velho que tanto mal lhe causara. Há muitas passagens lindas nessa história. Houve até o caso de uma aparição de Jesus ao sofrido Jaguar. Um dia contarei.
Quando desencarnou, Rosa Maria veio recebê-lo. É muito grande a felicidade do reencontro de duas almas gêmeas, preparado pelos Mentores. Pensavam que havia chegado o momento de seguirem a linda caminhada para a origem. Mas, ainda não era a hora! Havia permanecido aquele espírito cobrador – o filho deles – que o ciúme da sinhazinha não deixara realizar a missão do reajuste. Era preciso reparar o destino daquela criança que, por culpa deles, havia nascido em tão tristes circunstâncias. Era responsabilidade do Jaguar, que devia ter tomado as providências para evitar aquela gestação, que o respeito impunha, pois não haveria condições para criar um filho. Com isso, ele criara uma responsabilidade a mais e teria que voltar à Terra para cumprir sua última missão. Após o feliz encontro, Rosa Maria ficou triste, sabendo que ainda teriam que esperar a conclusão dessa missão para poderem ir para a origem. Preocupava-se com seu amado, incerta sobre as condições dele para enfrentar mais essa prova. Ele fora um tirano, mas o amor mudara completamente seu espírito, por saber amar. Mas fora a presença de Rosa Maria que o havia despertado para o amor. Agora, que ela não viria para a Terra, como agiria ele?
Tudo foi preparado no espaço e, quando chegou o momento, o Jaguar despediu-se de Rosa Maria e, triste pela separação, se encaminhou para o sono cultural. Quando o espírito vai reencarnar, meus filhos, é uma tristeza maior do que a morte aqui na Terra. Ele vai partir para uma missão da qual tem consciência, sabe da responsabilidade e, corajosamente, se entrega ao sono cultural, que vai apagar de sua consciência toda a memória transcendental, preparando-o para ser colocado no feto e nascer na Terra. E o velho Jaguar, o velho senhor de escravos, parte em busca de seu filho, o lindo menino louro, de olhos azuis!...
Em seus sonhos, o Jaguar se encontrava com uma moça muito linda – Rosa Maria – que lhe falava da força do amor e pedia que ele sempre tivesse esperança em seu coração. Sempre protegendo a criança do ódio da mãe e do desprezo dos irmãos, o Jaguar prosseguiu sua missão. Ficou seriamente doente, mas o filho mais novo não se separava dele. Ficava ali, atento ao que fosse preciso, dando-lhe água, remédios, preso pelos laços de uma profunda afeição. Uma noite, profundamente enfraquecido – estado em que se fica mais próximo da espiritualidade – foi levado por aquela mulher de seus sonhos até a casa onde havia uma criança. Esta estava muito mal, já para morrer. Os pais, ali perto, choravam a morte do filho, já não tendo nada mais a fazer. A criança, com os olhos fechados, parecia estar sofrendo muito. O espírito do Jaguar ficou preso àquele quadro e se aproximou da criança que, abrindo os olhos, percebeu a imagem do Jaguar e exclamou: “Papai!”. Os pais se alvoroçaram, e o pai abraçou a criança, certo de sua melhora, pois ouvira o chamado. Mas o espírito do Jaguar percebeu, emocionado, quem era a criança quando vira aqueles olhinhos azuis e sabia a quem ela chamara de pai. Sim, aquele era o seu filho, a quem buscava para resgatar suas dívidas do passado. Mas teve que retornar ao corpo e sua memória apagou-se quase totalmente. Ficou uma lembrança do menino mas, em sua fraqueza, não sabia separar bem os fatos. Seu estado piorou e começou a delirar, falando de um menino louro, de olhos azuis, que era seu filho que ele tinha que encontrar. Suas palavras não eram entendidas nem pela mulher nem pelos filhos, que achavam ser tudo fruto de sua delicada situação de saúde.
Finalmente, o mal começou a ser debelado e ele teve a fase de recuperação povoada pela lembrança daquela criança. Irritado por não ser entendido pelos outros, criara em sua cabeça a necessidade urgente de encontrar aquele menino que sabia existir em algum lugar. Já recuperado, começou a andar pela cidade. Assim, fazia um exercício e atendia à sua ânsia de descobrir a criança.
Andava, certa vez, pela beira do cais, quando o choro de uma criança chegou até ele. Curioso, se aproximou de uma pobre casa, de onde parecia vir aquele choro convulso. Um vizinho estava por ali e ele lhe perguntou o que fazia aquela criança chorar tanto.
- É uma triste história! – disse o vizinho – O pai desse menino trabalhava naquele navio ali e saiu com a esposa para dar um passeio de barco. O barco virou e os dois morreram. Restou o filho que está aí com esses parentes, mas desde então chora como se nada o pudesse calar...
Bateu à porta do casebre e uma pobre mulher o atendeu. Pediu para conhecer o pequeno órfão e entrou. Pode ver, então, aquele menino por quem tanto buscava, por quem seu coração ansiava loucamente, chorando. Aquela linda criança loura, com os olhos azuis!... Emocionado, pediu àquela gente que o deixasse levar o menino, para cuidar dele. Foi atendido prontamente, pois os parentes estavam loucos para se verem livres daquele choro angustiante e seria menos uma boca para alimentar.
Chegou feliz à sua casa. No trajeto para lá, a criança se calara e aconchegara-se a ele como se estivesse acostumada com o seu colo. Sentindo-o em seus braços, o velho Jaguar sentia que amava muito aquele pequeno ser. Um amor muito maior do que o que nutria por qualquer de seus filhos. Até pelo mais novo.
Começou uma nova fase de complicações. Os laços de amizade, tão profundos, entre o Jaguar e aquela criança abandonada, haviam despertado a inveja e o ciúme da família. A hostilidade da esposa – que na outra encarnação mandara executar o menino – era para com os dois. O tempo foi passando e cada vez mais estreita era a amizade entre o Jaguar e o menino. Mas o grau de maldade da esposa era tanto, um espírito que não se abria para o amor e, assim, não evoluía, que esperava uma oportunidade para se vingar daquela criança. E quando o esposo precisou ausentar-se um pouco mais demoradamente de casa, pegou o menino e o colocou para fora de casa. A pobre criança, já com sete anos, não pode fazer nada senão afastar-se, triste, daquela casa onde estava alguém que lhe era muito caro. Retornando e não encontrando o menino, o Jaguar forçou a esposa a dizer o que havia feito. Ela confessou que havia mandado embora aquele estranho e não permitiria que voltasse. Ele saiu em busca do menino e teve um palpite que poderia encontrá-lo onde o fora buscar – na beira do cais. Correu para lá e viu o garoto sentado, olhando o mar, com o queixo apoiado na mão, como se aguardasse alguém. Alegre pelo encontro, chamou o menino. Este assustou-se com o chamado e se levantou rápido de onde estava, virando-se para ver seu querido benfeitor. Mas, agitando os braços, perdeu o equilíbrio e caiu do cais, naquele local cheio de pedras, madeirame e ferros batidos pelas ondas do mar.
Desesperado, o velho Jaguar correu e pulou na água. Diversas pessoas que estavam por ali tentaram ajudar, mas o destino havia marcado aquele desenlace: morreram ali, pai e filho, tragados pelo mar.
Esse é o destino do Homem, meus filhos! Muitas vezes temos uma tristeza muito grande, sem saber porquê. Muitas vezes o Homem se casa e tem por obrigação honrar aquele casamento, os filhos que dele nascem, mas, em seu íntimo, não está feliz. Porém, existe uma responsabilidade maior: o destino cármico. Ninguém pode ser feliz, feliz mesmo, se não terminar sua missão, se não libertar seus cobradores.
Imaginem que aquele filho mais novo, moreno, do casal, era o espírito do preto velho Gregório que, apesar de seus defeitos físicos, amou muito aquele a quem tanto mal fizera e por ele foi amado. Foi aquela mulher, que tanta maldade fizera, que o recebeu no ventre e, pela bênção de Deus, o criou com cuidados, mas sem amor. Mas Gregório conseguiu resgatar suas faltas pelo amor daquele a quem tanto fizera sofrer.
E, no desenlace da história, quando o homem e o menino desencarnaram no mar, seus espíritos se reencontraram com Rosa Maria e, juntos, felizes, foram para sua origem. E a sinhazinha, que voltara agora como uma simples dona de casa, não evoluiu, não aproveitou a chance que lhe foi dada, e nada fez de bom. Então, seu sofrimento será grande. Deverá voltar várias vezes para subir seus degraus na evolução. Mesmo assim, ela foi objeto da ajuda dos espíritos do Jaguar e de Rosa Maria, que entenderam que tudo que ela havia cometido servira como degrau para a libertação deles, através da evolução. Na realidade, fora a sinhazinha que preparara a subida dessas almas gêmeas.
Por isso, jamais devemos nos queixar de Deus! Ele nos dá tudo, nos proporciona os meios para nossa libertação. O conhecimento, a consciência, é que nos impulsionam no caminho certo. Ele nos dá força antes de chegarmos aqui, e chegamos preparados para cumprir nossa missão. É errado só se desejar coisas boas e reclamá-las de Deus. Pelo sofrimento conseguimos nossa libertação, nossa evolução. Nem Deus nem nossos Mentores nos seguram para que possamos subir os degraus da nossa jornada. Temos que caminhar por nós mesmos, com nossas próprias pernas. Deus nos dá tudo!...
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